Histórico

O grande acúmulo de descobertas científicas recentes tem relevado a extraordinária importância dos primeiros anos da infância na formação das habilidades e competências humanas que existirão ao longo de toda a vida, para sua realização como pessoa, e integração à sociedade. Isso mostrou a necessidade de estruturar uma política pública para a promoção do desenvolvimento integral da primeira infância no Rio Grande do Sul.
A Representação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO- no Brasil, em parceria com o Governo do Estado do Rio Grande do Sul, apresentou o Programa intersetorial PIM, adotado como política pública permanente de atenção integral à primeira infância nessa Unidade da Federação.
Em março de 1990, sob a liderança da UNESCO, os representantes dos países-membros da Organização, reunidas em Jomtien, na Tailândia, aprovaram a Declaração Mundial de Educação para todos, reconhecendo que todos os indivíduos têm o direito a oportunidades educativas que satisfaçam suas necessidades básicas de aprendizagem. Esta declaração adotada por 183 países (dentre eles o Brasil), inclui a educação e os cuidados na primeira infância como parte da educação básica, afirmando que “a aprendizagem inicia com o nascimento”. Isso implica cuidados básicos e educação inicial na infância, proporcionados por meio de estratégias que envolvam as famílias e comunidades ou programas institucionais,como for o caso (Art.5). Esta afirmação aponta que a primeira infância – a base sólida para todas as aprendizagens humanas – é um tema que requer política abrangente e intersetorial. O Programa Primeira Infância Melhor, implementado no Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, é uma demonstração concreta de como equacionar o desafio da atenção integral, promovendo uma ação articulada entre as áreas de saúde, educação, assistência social e cultural, em benefício das crianças, gestantes e famílias em situação de maior vulnerabilidade social.
Portanto, como mostra Young, “para uma criança, a capacidade de pensar, formar relações sociais e realizar todo o seu potencial está diretamente relacionada com o efeito sinérgico da boa saúde, boa nutrição, estímulos apropriados e interação com pessoas significativas” (YOUNG, 1996). Os programas voltados para as crianças nos seus primeiros anos de vida, então, devem ser abrangentes, integrados e buscar satisfazer todas as suas necessidades, bem como a promoção das suas potencialidades.
Conscientes de todos esses fatores e com experiências anteriores que já revelavam o interesse, a sensibilidade e a dedicação para os primeiros anos da infância, Osmar Gasparini Terra, Secretário da Saúde do Rio Grande do Sul e sua equipe formularam o PIM, processo que contou com a participação e a cooperação técnica do Setor de Educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, no Brasil e de seu Escritório Antena no Estado do Rio Grande do Sul. Atento à realidade da infância no Estado e às características e à diversidade dos seus municípios, o PIM foi fortemente inspirado na experiência cubana desenvolvida no “Educa a Tu Hijo”.
O Programa “Educa a Tu Hijo” foi implantado no ano de 1992 em Cuba, com apoio do UNICEF, e baseado em estudos e investigações desenvolvidos de 1983 a 1992. De caráter intersetorial e comunitário, e contando com a participação decisiva da família, o “Educa a Tu Hijo” visa à promoção do desenvolvimento integral das crianças de zero a seis anos.
Em 1998, foi criado o Centro de Referência Latino- Americano para a Educação Pré-Escolar (CELEP), com o objetivo de promover intercâmbio sistemático com especialistas latino-americanos e de outras latitudes, vinculados à educação e ao desenvolvimento na primeira infância. O CELEP oferece assessoramento à formulação de programas e projetos educativos institucionais e não institucionais em outros países, além de contribuir para o aprimoramento profissional dos educadores. Por meio do CELEP, a experiência cubana já foi compartilhada com especialistas do Chile, Argentina, Colômbia, Equador, Brasil, República Dominicana, entre outros países que participaram de intercâmbios sobre o tema da educação infantil e do desenvolvimento na primeira infância.
A tecnologia desenvolvida pelo “Educa a Tu Hijo”, através da organização das suas equipes e articulação das várias instâncias envolvidas, as capacitações destinadas a preparar, acompanhar e avaliar os profissionais envolvidos serviu de modelo para o PIM, resguardadas as diferenças contextuais e culturais entre os países.
O PIM nasceu, desta forma, alicerçado em estudos e experiências concretas que demonstram os benefícios da ação socioeducativa e dos cuidados de qualidade destinados à primeira infância.
O PIM fundamenta teoricamente suas ações nas contribuições da teoria histórico- cultural de Vygotsky, nos aportes oferecidos pela teoria da aprendizagem de Piaget, pelas descobertas da neurociência acerca do desenvolvimento cerebral inicial, e na teoria sobre a formação e o desenvolvimento dos vínculos afetivos de Bowlby. As contribuições de Winnicott, acerca da importância do ambiente e das funções desempenhadas pelas figuras materna e paterna no desenvolvimento psicológico infantil também foram incor-
poradas (WINNICOTT, 1975; 1983; 1993).
A organização do PIM está em torno de três eixos estruturantes: a família, a comunidade e a intersetorialidade.
A família é concebida como o grupo humano primário mais importante nos anos iniciais da vida de todo indivíduo. É uma unidade afetiva de relacionamento, de cuidado, proteção e educação. Não se constitui necessariamente com base nos laços sanguíneos ou legais.
A importância da família se torna ainda mais crucial quando consideramos que quase 75,28% da população infantil de zero a seis anos não têm acesso às instituições de educação infantil no Rio Grande do Sul (com base na população estimada no Estado em 2006 e no número de crianças matriculadas de zero a seis anos) (IBGE, 2007; MEC/INEP, 2006). O PIM cumpre assim um importante papel de apoio às famílias, de orientação e promoção do desenvolvimento integral das suas crianças.
Além da família, a comunidade também é um eixo central no PIM. A comunidade é concebida no Programa como um espaço fundamental de potencialidades, recursos humanos, materiais e institucionais. Seus costumes, suas tradições, suas produções culturais são elementos importantes na educação, na saúde e no desenvolvimento das crianças.
O PIM valoriza e estimula esse papel da comunidade, bem como seu potencial de mobilização, divulgação, apoio das ações educativas e de saúde voltadas para o desenvolvimento integral da primeira infância.
A intersetorialidade no PIM se define como um conjunto articulado de ações em rede de apoio à gestante, à criança de zero a seis anos e às suas famílias. Nesta articulação ficam preservadas as especificidades de cada Secretaria, o incentivo para a implementação de programas e para a complementaridade da rede de forma a integrar um conjunto de atividades que estejam em sintonia e que possam ir ao encontro das demandas da população-alvo.
A Secretaria Estadual de Saúde tem como atribuição tratar das políticas de saúde no âmbito estadual, com vistas à promoção, prevenção e atenção em saúde. Inclui-se o incremento permanente do Programa Saúde da Família, verdadeira porta de entrada nas comunidades. Agrega-se ainda o Programa Viva a Criança. A ação realiza, por exemplo, um mapeamento semanal de óbitos infantis. Esse levantamento permite ações técnicas e focadas nas áreas de maior incidência. O Programa estabelece o acompanhamento das mulheres grávidas por meio de exames periódicos de pré-natal. Todas estas ações ocorrem de forma amalgamada com os municípios. Outra ação da Secretaria com reflexos numa primeira infância melhor é o Programa de Prevenção da Violência.
A Secretaria Estadual da Educação, além dos projetos na área da educação infantil e de formação dos educadores, desenvolve o Projeto “Escola Aberta para a Cidadania”, que objetiva trabalhar com as famílias, as crianças e a comunidade em geral, durante os finais de semana, oportunizando a sua participação em atividades socioeducativas, culturais e desportivas.
Junto ao PIM, representantes de cada uma das Coordenadorias Regionais de Educação (CRE) participam das visitas e assessorias às famílias do Programa, além da inserção no Grupo Técnico Estadual (GTE) e junto ao Grupo Técnico Municipal (GTM) em cada município que implanta o Programa.
A Secretaria Estadual da Cultura faz a interface com o Programa Primeira Infância Melhor por meio de sua política abrangente que inclui a disponibilização de todos os acervos de suas instituições. São estas as fundações de teatro, televisão, rádio e música, os museus históricos e de arte, os centros de desenvolvimento da expressão que desenvolvem atividades de arte-educação com crianças e adolescentes, as bibliotecas com ênfase nas infanto-juvenis, Casa de Cultura Mário Quintana e os institutos de música, teatro, dança cinema e tradição e folclore. Outro compromisso, nesta parceria e apoio ao Programa Primeira Infância Melhor, é a promoção de capacitações sobre cultura, arte-educação, ludicidade, confecção de brinquedos, contação de histórias, entre outros temas, para Grupos Técnicos Municipais, monitores e visitadores.
Na área da Assistência Social, a Secretaria Estadual da Justiça e do Desenvolvimento Social é responsável pela coordenação desta política pública no estado. Promove e orienta serviços, programas e projetos que direta ou indiretamente apoiam o desenvolvimento infantil. Estes serviços estão hierarquizados em Proteção Social Básica (PSB) e Proteção Social Especial (PSE). A PSB tem suas ações focalizadas na prevenção e na vigilância social dos territórios, com serviços continuados de atenção à família e seus integrantes, de forma a fortalecer os vínculos familiares e comunitários.
Entre estes, podemos citar:
Orientação e Apoio Sócio-Familiar (OASF) – propõe atuações com famílias para que elas possam cumprir seu papel socializador e de proteção de seus membros, bem como desenvolver sua autonomia com vistas a sua interação social.
Apoio Sócio-Educativo em Meio Aberto (ASEMA) – promove ações socioeducativas com famílias em situação de risco pessoal e social.
Estas ações devem ser desenvolvidas nos Centros de Referência da Assistência Social – CRAS, unidade pública estatal responsável pelo acolhimento e vigilância social. Os CRAS, segundo a Política Nacional de Assistência Social, devem priorizar a atenção às famílias do Programa Bolsa Família (PBF). Este é um Programa de transferência de renda a famílias em situação de vulnerabilidade social, financiado pelo Governo Federal, por meio de repasse mensal, onde as famílias assumem compromissos a serem cumpridos.
Este Programa desenvolve ações conjuntas de assistência social, saúde e educação, sendo o Estado responsável pela coordenação das ações intersetoriais e capacitações dos gestores e profissionais que nele atuam.
A participação dessa secretaria junto ao PIM destaca-se, ainda, pela oferta de apoio
e orientação familiar, auxílio na busca/geração de renda nas comunidades, bem como na
prevenção da violência doméstica e abuso sexual na infância.